Pilhas e baterias são companheiras da tecnologia. Elas garantem o funcionamento de celulares, máquinas digitais, controles remotos, entre muitas outras maravilhas modernas. Sua vida útil, porém, é limitada. Como resultado, cerca de um bilhão de pilhas e baterias são descartadas, a cada ano, no Brasil.
De acordo com a resolução nº 257 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), publicada em 30 de junho de 1999, o descarte de alguns tipos de pilhas em lixos comuns é permitido devido aos baixos teores de mercúrio, cádmio e chumbo, metais presentes em sua composição. “O problema é a quantidade de unidades, que aumentou muito.
A concentração torna esse material um sério agente poluidor, com capacidade de contaminar lençóis freáticos e, por conseqüência, intoxicar seres humanos”, alerta o professor Wilfrid Keller Schwabe, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na UFMG, ele coordena uma linha de pesquisa que estuda o reaproveitamento de materiais com potencial tóxico. Sua equipe já trabalhou com a reciclagem de lâmpadas fluorescentes, tecnologia que foi transferida para uma empresa da capital mineira; com a lama de aciarias (indústrias que lidam com ferro e aço), material originado durante o tratamento da água que, até então, era jogado de volta nos rios, provocando a contaminação dos mesmos; e com a areia fina produzida na exploração do quartzo, rejeito que provoca assoreamento e poluição de cursos d’água.
Os metais presentes nas pilhas descartadas são separados e recuperados na forma de cristais, como na foto abaixo:
Os cristais de zinco e manganês podem ser reaproveitados, por exemplo, para a produção.
Agora, eles investigam o reaproveitamento das pilhas , que podem ser de zinco-carbono, zinco-manganês ou alcalinas, e de baterias recarregáveis, que podem ser de níquel-cádmio, níquel metal-hidreto ou de íons lítio. No caso das baterias, os dois primeiros tipos correspondem à grande maioria do material descartado atualmente, pois estão sendo substituídos, aos poucos, pelas baterias de íons lítio, mais modernas e eficientes.
O trabalho, já testado em escala de laboratório, apresentou resultados significativos, com recuperação de até 80% dos materiais. Pelo seu caráter inédito, a metodologia deve gerar uma patente na área.
No caso das baterias, o processo é praticamente o mesmo, com alteração de variáveis como temperatura e composição da solução lixiviante. O níquel recuperado pode ser usado para fabricação de uma nova bateria ou entrar na composição do aço inox, por exemplo, baixando custos para o empresário. Para se ter uma idéia, a tonelada do níquel é vendida, hoje, a 30 mil dólares, valor dez vezes superior ao do alumínio, metal amplamente reciclado no País.
Apesar de aparentemente simples, a metodologia é inédita. No Brasil, existe apenas uma empresa, sediada em São Paulo, que realiza a reciclagem de pilhas. No entanto, o método utilizado é a pirometalurgia (queima em fornos de alta temperatura). Os metais são transformados em gases e, depois, condensados.
O problema, como aponta Mansur, é que a separação dos componentes é limitada e a recuperação dos materiais não é completa. “Com isso, metais de alto valor agregado acabam sendo utilizados na produção de pigmentos. O destino é melhor que o aterro sanitário, mas é possível aproveitar esses subprodutos de forma mais lucrativa.”
Novidade
Marcelo Mansur, também coordenador do projeto e professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFMG, explica que o objetivo da pesquisa é recuperar os metais que compõem as pilhas e baterias. O zinco e o manganês, por exemplo, podem ser utilizados para fabricação de fertilizantes, enquanto níquel e cobalto possuem elevado valor agregado. Nesse caso, além de dar uma destinação adequada ao produto, seria possível obter retorno financeiro.
O método consiste em desmantelar a carcaça metálica ou de plástico que envolve as pilhas e baterias e separar seus componentes. Assim, os compostos metálicos presentes no interior dos dispositivos são dissolvidos em uma solução ácida, processo denominado lixiviação. Os compostos são separados em função do tipo de bateria tratada, para que metais como níquel, cobalto, zinco e manganês, obtidos sob a forma de sais purificados, sejam reaproveitados.
No formato de pequenos cristais, os metais recuperados podem entrar na composição de fertilizantes e corretivos de solo. O potencial é grande: os pesquisadores calculam que, com o descarte inadequado de pilhas, sejam perdidas 34 mil toneladas de carcaças metálicas, 7,8 mil toneladas de zinco, 10 mil toneladas de manganês e duas mil toneladas de potássio para cada bilhão de pilhas. Outra vantagem da reciclagem é recuperar o mercúrio e descartá-lo adequadamente, já que não é possível aproveitá-lo.
Mercado
A solução encontrada pelos professores tem atraído a atenção de diversas entidades. O Centro Mineiro de Referência em Resíduos, do Governo de Minas Gerais, e o Centro de Triagem da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável (Asmare) já procuraram a equipe para conhecer a metodologia. Também o shopping popular Oiapoque, na capital mineira, já entrou em contato para checar a possibilidade de uma parceria no envio de pilhas usadas. A própria Escola de Engenharia da UFMG está tentando viabilizar a instalação de um coletor na entrada do edifício.
Segundo o professor Wilfrid Keller, a equipe aceita doações de bom grado, mas em pequenas quantidades. Pela própria limitação do espaço, não seria possível reciclar uma quantidade muito grande de pilhas e baterias. A intenção dos pesquisadores é testar, agora, a viabilidade da metodologia em escala industrial, já que em laboratório ela é comprovadamente eficaz. Se der certo, será estudada, então, a transferência da tecnologia para uma empresa interessada.
O grande atrativo, além do baixo custo do processo, seria o retorno financeiro, já que é possível cobrar para receber o material e, depois, vender os subprodutos gerados. “Mercado existe, pois, pelo menos a princípio, todos querem agir corretamente”, opina o pesquisador. Vale ressaltar o benefício para a imagem: cada vez mais, os consumidores pressionam (e cobram) por soluções ambientalmente corretas, o que transforma essa postura em um fator determinante para o sucesso do negócio.
Até hoje, a linha de pesquisa já originou trabalhos de iniciação científica e dissertações de mestrado, além de publicações nacionais e internacionais. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito, especialmente se considerarmos que o número de celulares vendidos cresce a uma média de 30% ao ano e cada indivíduo consome, no Brasil, de cinco a seis pilhas no mesmo período.
Energia pirata
Segundo a resolução 257/99 do Conama, desde janeiro de 2000, pilhas e baterias fabricadas, importadas e comercializadas no Brasil devem ter até 0,025% em peso de mercúrio, até 0,025% em peso de cádmio e até 0,4% em peso de chumbo quando forem do tipo zinco-manganês e alcalina-manganês, comumente usadas em rádios, brinquedos, câmeras, calculadoras e telefones. A mesma resolução determina que, desde janeiro de 2001, os padrões devem ser ainda menores: respectivamente 0,01%, 0,015% e 0,02%.
Um grande problema, porém, são as pilhas irregulares, vendidas clandestinamente no País. De acordo com estimativa da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), cerca de 40% das pilhas vendidas no Brasil são ilegais. Nelas, os teores dos metais são até sete vezes superiores ao permitido pelo Conama. Além disso, as pilhas piratas trazem quantidade inadequada de mercúrio em sua composição, material adicionado para aumentar a durabilidade.
Visualmente, é difícil distinguir uma da outra. Mas, descartada em lixões, o mercúrio em seu interior pode vazar e ser absorvido pela terra, chegando aos lençóis freáticos. Diarréia, insuficiência renal, irritações cutâneas e perda de reflexos são apenas algumas das conseqüências da absorção em excesso deste metal pelo organismo humano.
Por tudo isso, na opinião do professor Marcelo Mansur, a legislação é insuficiente para tratar o assunto. Produtos rotulados de forma indevida e o grande crescimento de unidades descartadas são alguns dos problemas que motivaram um processo de revisão do decreto. Na opinião do pesquisador, a evolução necessária seria criar regras mais rígidas para o descarte. “É preciso insistir na separação do lixo para tratá-lo. Isso só será resolvido quando as pessoas criarem o hábito de juntar e direcionar os produtos a locais de tratamento especializados”, conclui.
Fonte: Revista Minas Faz Ciências
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